Pra muito além da calça cargo

Toda modinha dá dinheiro pra alguém. Já se perguntou pra quem?

 

Estava eu moscando em casa, vendo minhas inscrições no youtube e fui assistir um videozinho de skate. Era o vídeo de uma marca de roupa, como centenas de marcas de roupa que vem surgindo na atual conjuntura do mercado do skate, e esse videozinho me deu um certo tédio de ver, tinha skatista bom, manobra e edição top de linha. Mas precisavam saturar tanto os ollie sex-change, efeitos retrô na filmagem e calça cargo?

Eu entendo que a marca tem uma identidade e tal, mas cadê cada um dos caras que tão andando? Um vídeo de 5 skatistas parece ter um só. A moda fala tão mais alto do que cada um, que nada parece orgânico, por mais que todo mundo tenha feito o vídeo com o maior prazer. E se você continuar vendo todo vídeo que sai por dia, vai ser mais e mais do mesmo (com exceções, é claro).

Não quero desmerecer o trampo de ninguém, e nem vejo problema na abundância dessas marcas e videozinhos de 10 min com os atréta. Eu adoro essa variedade de ideias e jeitos de pensar skate que essas marcas, coletivos, Créus e afins trazem, mas, péra lá, não foi sempre assim?

Bom, na minha vasta experiência e bagagem no skate (ando há 6 anos e mal sei dar 50-50) posso afirmar poucas coisas, mas uma delas é que cada vez mais as pessoas se identificam com algo que está na mídia, seja ela underground ou mainstream. Eu acho o máximo o trampo da Baker, adoro ver os marreteiro nos vídeos da Nike,  a parada brasileiríssima da Plural, a brisa urbana dos Flanantes, o rolê independente da Britney’s crew ou a parada aesthetics da Welcome.

Todas essas patotas tem uma ideia, forma e aplicação muito bem definidas, que você identifica de forma muito distinta no material, ou então “se identifica”, se vê naquilo de cabo a rabo na forma de andar, se vestir, se posicionar em relação ao skate e etc. E isso é completamente normal, modinhas & trends vem disso, sempre foi assim, cada época um tipo de calça, um estilo e um pico que fica em alta.

Ok, acabou por aí a análise, moda existe.

Hoje é praticamente obrigatório cada marca de tênis ter um modelo com o rubber toecap, eu mesmo já garanti o meu. Compre já o seu também, nas melhores skateshops de todo Brasil!

Mas existe em função de que?

Não foi a toa que citei tanto exemplo ali atrás, não é tudo a mesma coisa, todos tem uma imagem, uma identidade, mas cada um monta isso por um motivo e não precisamos ir muito a fundo pra flagrar.

A Nike é uma empresa privada, gringa,  que expande sua clientela vendendo material pra todos os esportes possíveis e imagináveis, investindo no skate como esporte e bombando com atletas de nível olímpico, pra colaborar com a ideia de performance que seu produto traz.

A turminha do Flanantes faz seus vídeos de forma independente, fazem pra registrar o rolê deles, jogar ideias a mais sobre skate e uso da cidade e de quebra vender uns dvds e brusinhas, provavelmente pra financiar a lente que o Apelão quebrou nas gravações.

A Plural também é uma empresa privada, de um cara que tem uma longa história no skate, e se organiza num projeto que envolve todo o time, em ideia e atitude, produzindo um material de skatista pra skatista.

De qualquer forma tem uma quantidade grande de gente trabalhando e suando por e para o skate, do atleta ao cara que cola as camadas do board, costura o tênis ou edita o vídeo.

Otavio Neto visitando a fábrica da Hocks.

Moda não é só moda, é um acúmulo de trabalho e valor agregado, e o que a gente (consumidor, nesse caso) tem a ver com isso?

É o nosso dinheiro que decide qual desses 3 ou em que proporção cada um desses grupos vai prosperar (pelo menos até certo ponto). Somos sempre ausentados desse processo pois o que a gente leva pra casa é só um objeto e esquecemos o trabalho por trás dele. Vimos nos últimos tempos, marcas 100% de skate serem compradas ou falidas pelo mercado “mainstream”. E pelo andar da carruagem, e o aumento dos monopólios, teremos cada vez menos espaço pra criar uma parada honesta e que colabore de fato com a nossa comunidade que sempre foi subversiva desde a raiz. 

A gente sempre preza pelo bem do coletivo, no meio do skate não é diferente, e isso também funciona pra onde investimos, quem vai dar o melhor retorno pro nosso investimento? Isto é: Quem vai respeitar o trabalhador por trás do que consumimos, quem vai se responsabilizar por este processo e pela comunidade que alimenta esse processo? 

Enfim, fica o questionamento. É impossível fazermos o certo em todos os aspectos da nossa vida, mas podemos tomar o conhecimento, e com o tempo, o controle dos meios que nos possibilitam andar de skate e fazer o que amamos, e eu acredito que o primeiro passo é simples, pergunte a procedência.

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