Nossa grande amiga Rafaela Germano Martins fez um artigo para o seu coletivo “Aura Skate Friends” e pedimos para repostar em nosso site:
Gostaríamos de estar aqui falando sobre alguma conquista relacionada ao skate, mas não temos nada para comemorar. Em um país governado por um presidente genocida, onde ocorreram 465 mil mortes em decorrência da COVID-19 por negligência e a escolha consciente de não se comprar vacina para a população, Flávio Bolsonaro publica uma foto ao lado do Presidente da federação de skate de Brasília e de um skatista profissional comemorando a inserção do skate nas olimpíadas e a diminuição dos impostos de importação de skates.
O que temos para comemorar? O apoio da Confederação Brasileira de Skate a um governo genocida, preconceituoso, higienista e que promove o discurso de ódio diariamente não é algo a ser celebrado. Além de que inserir o skate nas olimpíadas é o equivalente a ignorar muitas particularidades do skate de cada um, que supostamente deveria ser livre e singular, e apagar a originalidade e liberdade em nome das premiações e do dinheiro, é preciso enxergar o que está além disso, é preciso enxergar o que significa, politicamente, inserir o skate em uma competição mundial manipulada pelo Estado e controlada pelo capital.
É preciso também, desmistificar a ideia de que “skatista que é skatista não apoia o Bolsonaro”. Eu até entendo o que está por trás desse pensamento, porém infelizmente isso é uma falácia, e é no mínimo ingênuo acreditarmos nisso. Existem sim MUITOS skatistas que apoiam os discursos de Bolsonaro e eles estão entre nós, dividindo a mesma borda no vale e recebendo espaço nas mídias e nas “revistas de skate”. Colocá-los em uma espécie de categoria diferente abre espaço para que a gravidade desses atos seja minimizada ao mesmo tempo em que estamos minimizando sua participação no skate.
As consequências desse tipo de ação da CBSK e do apoio ao atual governo são extremamente nocivas para a sociedade e para o meio do skate. Isso não somente contribui para a contínua exclusão de grupos que historicamente sempre foram rejeitados, como a população negra, mulheres e pessoas LGBQIA+, as quais constantemente têm os seus direitos violados, mas também dá força aos mecanismos que constituem o que teórico social Michel Foucault chama de biopoder: aquele domínio da vida sobre o qual o poder tomou o controle. O Estado, através de seus artifícios capitalistas, detém controle sobre nossos corpos e nossa vida. Nossa política atual é a Necropolítica.
O filósofo Achille Mbembe discorre sobre a Necropolítica e a define, em poucas palavras neste trecho: “A expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Por isso, matar ou deixar viver constituem os limites da soberania, seus atributos fundamentais. Exercitar a soberania é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder.” O terror e a morte andam lado a lado no atual governo e colaboram para a manutenção do status quo, da alienação e da passividade do povo.
Em uma realidade controlada pelo medo – seja esse biológico ou moral – como podemos combater e resistir a esse tipo de opressão? É possível permanecer calado e imparcial ao observar uma foto como a de Jair Bolsonaro em cima de um skate? E ao ler comentários de apoiadores, incentivando o presidente genocida a andar de skate? A imparcialidade e o silêncio nos salvarão de alguma coisa?
É preciso lembrar que o skate nasceu e se constituiu às margens do Estado. É nossa obrigação nos posicionar e continuar defendendo os valores de inclusão e liberdade pelos quais continuamos remando. Não nos calar em situações de injustiça, sejam elas quais forem, é o mínimo que podemos fazer. O skate não é estático, imutável. O skate pode ser o que quisermos fazer dele. Sendo assim, torna-se urgente que nos utilizemos do skate como uma ferramenta de combate à máquina fascista e tudo aquilo que ela representa.
“A máquina acossa os jovens: os tranca, tortura, mata. Eles são a prova viva de sua impotência. Os expulsa: carne humana, braços baratos, ao estrangeiro. A máquina, estéril, odeia tudo que cresce e se move. Só é capaz de multiplicar as prisões e os cemitérios. Não pode produzir outra coisa que presos e cadáveres; espiões e policiais; mendigos e desterrados. Ser jovem é um delito. A realidade comete esse delito todos os dias, na hora da alvorada; e também a História, que cada manhã nasce de novo. Por isso a realidade e a História estão proibidas.” – Eduardo Galeano em “Dias e noites de amor e de guerra”
Andar de skate sempre foi um ato político e pode ser nossa maior forma de desafio ao poder.
Arte da capa por Pedro Alencar