CARTA ABERTA DE UMA PESSOA COM TEA AO SKATE

Esse texto/artigo era pra sair muito antes, mas no meio de uma pandemia é difícil organizar todos os pensamentos, e ter certeza de que tudo o que queria foi passado de forma clara. 

Antes de tudo, quero deixar claro que esse texto trata sobre experiências específicas e pessoais. Vivências não são iguais para todos, principalmente quando se trata de questões psicológicas.  

Setembro ta aí, o mês de valorização a vida, e aproveitando o gancho, precisamos falar sobre a saúde psicológica na comunidade do skate. E quando falo sobre isso, não digo apenas sobre depressão ou tendências suicidas, mas sobre ansiedade, borderline e várias outras questões que afetam não só psicologicamente e socialmente.

Eu tenho Transtorno do Espectro Autista, mais especificamente asperger. Isso afeta diretamente no meu relacionamento com skate. Muitas coisas se tornam um pouco mais difíceis: socializar, barulhos, texturas, alimentação. Além de ter uma certa facilidade de desenvolver ansiedade e depressão, que no caso, acabei desenvolvendo a ansiedade. 

Todos os dias quando acordo com aquela vontade de andar de skate, ir para algum pico ou algo do tipo, fico pensando na quantidade de pessoas que vão estar lá, na intensidade dos barulhos no ambiente, na quantidade de olhares em cima de mim por ser uma mulher no skate.

Escrever sobre esse tema é muito complicado por não saber como expressar todas as coisas que sinto ao me envolver com skate tendo essas características tão específicas, que fazem parte de mim e de toda a minha vivência fora da bolha. Todos temos um tempo diferente, seja pra mandar aquela manobra ou para conseguir destravar certos bloqueios que temos. 

Mas preciso dizer do quanto muitas coisas e evoluções foram conquistadas com auxílio de tratamento psicológico, e que não podemos deixar que tantas correntes nos prendam.

Pedi uma ajuda pro Alberto Santos do Psicologia Radical, para explicar de uma maneira mais precisa, sobre o que é TEA e o que nos faz ser diferentes em alguns aspectos. 

“TEA, ou Transtorno do Espectro Autista, é o termo utilizado para descrever um conjunto de dificuldades e comportamentos de pessoas cujo desenvolvimento é compreendido como não típico, ou atípico. 

O autismo pode ir de um grau leve a moderado ou grave, e seu nível é determinado pelo quanto a pessoa apresenta ou não comportamentos que influenciam em sua qualidade de vida e independência. 

Sua causa não é exata, porém sabe-se que a genética e o ambiente desempenham um papel importante no surgimento de dificuldades comportamentais. 

Essas dificuldades residem em grande parte nas interações sociais, dificuldades de comunicação, padrões de comportamentos e interesses restritos em alguns assuntos. Além disso, podem ter também sensibilidade aumentada a determinados sons ou texturas. 

De certa forma, o que muda de uma pessoa TEA para alguém de desenvolvimento típico é o nível de sensibilidade aos estímulos do ambiente, ou seja, o modo como as coisas do mundo as afetam e são compreendidas pela pessoa. Um jeito diferente de ler e sentir o mundo.

Nos trabalhos de suporte e intervenção um grupo de especialistas, psicólogos, psiquiatras, psicopedagogos, entre outros, avaliam e desenvolvem uma descrição detalhada dos pontos fortes e dos desafios a serem superados.

Essa descrição detalhada é importante pois é a base do programa de trabalho a ser realizado com essa pessoa, passando por habilidades sociais, habilidades de comunicação, habilidades de organização e rotina e outros quesitos importantes para  que cada vez mais ela consiga ser independente.

E, já que o assunto é independência, com o skate o trabalho pode ser direcionado para contribuir para a construção de repertório de comportamentos que aumentem cada vez mais essa independência e habilidades sociais, além de apresentar a oportunidade de praticas e exercícios físicos e  vivências pouco comuns para a maioria das pessoas.

No contexto do skate diversos profissionais da educação física  e instituições tem se atualizado cada vez mais para propiciar intervenções adequadas que contribuam para o dia a dia da pessoa com TEA.

Tendo trabalhado com TEA e sendo psicólogo e skatista, agrada ver o quanto o skate pode se mostrar democrático e acolhedor. Seja numa aula planejada com objetivos específicos ou praticado de forma livre, o skate é uma ferramenta potente pelo que ele carrega, seus significados variados, assim como suas possibilidades de expressão. Permite a qualquer pessoa andar do jeito que sabe e interagir com a subcultura do skate do modo que lhe agrada e satisfaz.

Essa satisfação e superação ao aprender a fazer algo no skate é o que fortalece a confiança, a iniciativa e outros comportamentos que podem ser estendidos para outros contextos das vidas de pessoas com TEA.

O que nos cabe é aprender a nos observar para não tornar o ambiente de alguém que já tem dificuldade em algo mais difícil e desafiador ainda, é entender que cada pessoa lê o mundo de forma diferente e se não podemos ajudar devemos ao menos não atrapalhar ou criar mais uma barreira entre tantas que a nossa própria sociedade já cria e impõe.”

Texto escrito em colaboração com o Alberto Santos do @psicologia_radical

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