A cota no skate não está batendo

Quando você é negro, sempre que entra num lugar, principalmente se for um espaço de “destaque”, vai reparar se tem outros negros à sua volta. Isso acontece no restaurante, naquele show hypado, festas, exposições, formaturas, enfim, todo canto, mesmo sem querer. É quase automático. E se você pensa que o skate não entra nessa estatística, meu amigo, você está muito enganado.

Ao assistir um vídeo de skate, você repara em quantos negros aparecem? Pois é, foi dessa inquietação que decidi escrever esse texto.

Há quem não considera o skate um espaço racista, e eu até concordaria, mas por estar dentro de uma estrutura racista, ele reflete muita coisa que a gente deixa passar batido. E pra isso a gente precisa olhar historicamente. 

Fazendo um apanhado rápido sabemos que o skate nasceu na Califórnia ali pelos anos 1950, e bom, se hoje quem mora na praia são os boy, naquela época então… 

Mas beleza, skate nasce, galera anda na rua, depois invade piscina, aquela coisa toda de dogtown, e na década de 1970 começam a construir pistas de skate nos EUA, que por sua vez eram afastadas das periferias, só reforçando a característica de ser uma prática elitizada e branca.

Numa entrevista pro Huffington Post o Ray Barbee conta como ser um skatista negro era andar numa zona cinza: 

“Eu sofri mais com outros irmãos e irmãs – com outros negros”, disse Barbee ao HuffPost.” Eles sempre diziam: ‘Por que você está tentando ser branco?’ E eu fiquei tipo, ‘estou andando de skate, adoro o que estou fazendo – espero que você goste do que está fazendo.'”

Ou seja, naquela época, o skate que hoje é uma parada “das ruas”, era visto como coisa de branco. Curioso, não?

Se olharmos pro agora, acredito que esse sentimento pessoal mudou, mas as estruturas permanecem muito similares. Se você consegue ver mais skatistas negros, eles geralmente são colocados dentro de uma caixa, quase que alocados num padrão específico.

Quando você pensa em skatista negro, quem vem na sua cabeça? Eu provavelmente conseguiria comprar um shape novo se ganhasse 1 real pra cada pessoa que me citasse alguém “gangueiro”. Ou tô errado? Uma marca? DGK. Um skatista? TX, Dwayne, Formiga… E eu não estou criticando esses caras, longe disso, admiro muito o rolê deles! O que é complicado é negar que talvez as referências de skatistas negros que temos são todas dentro de um mesmo estilo. Stevie Williams, Tiago Lemos, TK, Antwuon Dixon, e a lista poderia continuar.

Quantos skatistas negros você vê andando em bowl, ou em outra categoria do teste da buzzsquad que fizemos como dagger, ou “moderno”, por exemplo? Isso acontece porque existe uma ideia de que o que é branco é universal, e o que é do negro é só pros negros. Isso é visível na música, na literatura, na moda, e afins. 


Vídeo da HUF, the whitest team on earth 

E isso não se aplica somente aos skatistas, mas se pensarmos no mercado como um todo, é raro encontrar fotógrafos, editores, colunistas, videomakers, designers, ou team managers negros trabalhando pras marcas. E não, isso não é uma coincidência, pode ter certeza. E de novo, também não é um problema de indivíduos, mas de estrutura. Isso que nem toquei na questão de mulheres negras nesse rolê. 

Aliás, a Thayná Gonçalves recentemente mandou o papo expondo casos de racismo (e machismo) dentro do skate feminino, e também apontando questões sociais quando vemos skate street e bowl. 

Há exceções? Obvio! Atiba Jefferson tá aí no corre das fotos tem milianos, Koston é dono do Berrics, a pista mais famosa do mundo, por exemplo. Mas essa não é a regra, e também estamos falando de norte-americanos, uma cultura igualmente racista, mas que quando se trata de skate, tem suas particularidades.

Por isso eu abro um sorriso enorme quando assisto vídeos como o Selvagem, da Converse, que me coloca dois negros pra fechar ao som de “A Coisa tá Preta” do Rincon, ou vejo gente como o Carlos Dudu do blog Skate é Sujo sendo sensível ao vídeo da Nautilus que apresentava um time mais diverso, fotógrafos como Thomas Teixeira fazendo trabalhos de reconhecimento, a já citada Thayná Gonçalves que é videomaker e uma das fundadoras da Britneys Crew, Parteum estourando nas mídias e Sandro Testinha tocando o projeto Social Skate.

São de coisas nesse sentido que a gente precisa, mais gente preta fazendo vídeo, fotografando, podendo andar sem se encaixar num lugar pré-definido, estando na frente de marcas, e etc..

Isso aqui é só pra trazer a reflexão que o skate super pode se vender como algo universal e acolhedor, independente de pautas identitárias, mas como movimento inserido numa estrutura ela acaba reproduzindo não só o racismo mas outros problemas como machismo, lgbtfobia, discriminação social, entre outras questões.

Nessa semana do dia 20 de novembro, onde as discussões raciais ganham proporções maiores, para o skate também cabe a máxima: “em uma sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”.

* Foto de destaque: Tyshawn Jones, skatista do ano em 2018, por Atiba Jefferson

2 thoughts on “A cota no skate não está batendo

  1. Muito obrigado por falarem sobre isso, hoje em dia parece que é ainda mais importante (não que algum dia deixou de ser, pelo contrário). O skate precisa tocar nesses assuntos, pq muitas vezes dentro do skate parece ser muito tudo suave e todo mundo aberto, mas nas sessões por ai que a gente acaba vendo quem é quem de verdade, muito empresário que cresce o zoio na grana que o skate gira virando dono de marca e praticamente nazi. Tamo de olho. STAY TRUE!

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