Peça fundamental da videografia do skate brasileiro, Uni.versus é o vídeo da marca Agacê Skateboards, dirigido por Renato Zokreta e lançado em 2014 com direito a DVD e zine de fotografias. O vídeo reafirmou a marca de shape paulista como uma das mais importantes do mercado do skate nacional, 14 anos depois do também icônico Evolução da Espécie, que apresentou o time da marca no ano 2000.

A abertura do vídeo traz como trilha o instrumental ruidoso da banda Sobre a Máquina, com a música Dentro se sobrepondo entre imagens do time, fluidos e umas tricks que mostram um pouco do que vem nas partes, já emendando com a linha do Daniel Marques na praça Stalin, pico clássico de Praga, República Tcheca.
Daniel é um skatista que rende muito, inclusive musicalmente no seu projeto Efeito Horizonte, e nessa época do Universus ele mostrou estar bastante inspirado, rendendo uma pré parte e uma parte dupla. A primeira trilha é Um Só, música de Pedro Santos, presente no álbum Krishnanda. Esse disco é uma pérola do final dos anos 60, resgatada recentemente por DJs, pesquisadores, amantes de música em geral e… vídeos de skate, claro. Sol Brilhante, da banda Pedra Branca, é a música seguinte, que entra casando legal com um heel de front switch pulando escada no final de uma linha muito bem costurada em Brasília. Daniel mantém uma leveza sincera e bonita de ver mesmo nas marretas como essa – que são muitas nessa parte – e os sons escolhidos também refletiram muito isso.

Um dos aspectos que mais encantam no rolé de Cotinz é que ele anda de skate como quem não tem que provar nada pra ninguém e isso é bem perceptível nessa parte. Ave Sangria foi a trilha certa pra isso. Representantes da psicodelia nordestina, a banda dos anos 70 tem músicas muito à frente daqueles tempos ditatoriais, como Seu Valdir e a faixa que é a trilha aqui, Corpo em Chamas. Pra uma parte que tem desde cena de skate sincronizado a divertidas formas de subir escadas e trick histórica em árvore do Vale, as guitarras do Ave Sangria dialogam legal com essa criatividade dinâmica, torta e às vezes complexa, do skate de Cotinz. Um trecho de Fogo na Bomba, clássico absoluto do rap BR, é a trilha da sequência de bombas que encerra a parte. Essa galera da Supa curte um De Menos Crime né, o grupo voltou a figurar como trilha anos depois, no Crailers e mais recentemente no Liberdade Consciência e União.
A música de um sanfoneiro de rua embala o começo da parte de João Miguel, skatista de Belo Horizonte, marcando ainda mais a trilha como fator de grande contribuição pra atmosfera Brasa que o vídeo mantém. Na sequência, entra um beat ambient do Coyote, e um ponto alto desse casamento trilha-imagem é a linha do Mineirão e sua luz de começo de noite. Vale lembrar que o também mineiro Coyote é o beatmaker e skatista que, entre muitos trampos, hoje assina produções de Djonga e Hot & Oreia.

A parte de amigos do Uni.versus tem a trilha do Eu Serei a Hiena, um projeto instrumental formado por amigos de diferentes bandas fundamentais do hardcore paulista, como Dance of Days e Ratos de Porão. O ritmo tenso e constante da bateria desse som fecha legal com as imagens dessaturadas dessa parte do vídeo.
A parte seguinte começa com o skatista-artista Renato Custódio perdendo o skate no Museu de Arte de São Paulo e uma chamada de telefone de hospital psiquiátrico. Só até aqui já daria pra divagar legal nesses elementos. Mas segue a faixa Loco, da banda Fumaça Preta, fazendo uma trilha densa e torta pras tricks também tortas que Renato manda nessa parte. Imagens refletidas em prédios espelhados também compõem a parte fazendo referência à série “Perdido Gato Negro…” que estampa o model de shape assinado pelo fotógrafo e lançado pela Agacê.

A transição pra parte de Marcelo Garcia ‘Dodô’ é feita com um rockinho (a trick, não o som) que já diz muito sobre a leveza que ele tem em cima do skate. A trilha que entra um pouco após é o som Jimmy Renda-se, de Tom Zé, o gênio de Irará-BA. De alguma forma, Tom Zé é muito skate. Sempre visionário e muitas vezes tirado de doido, foi inspiração para seus contemporâneos da Tropicália e segue sendo até hoje pra grande parte dos músicos que buscam fazer o que é conhecido como MPB de um jeito mais fora da caixa.
Akira Shiroma chega junto com o jazzão de Moacir Santos, os dois naquela complexidade e elegância que cê pode até não entender de prima, mas vai querer ver/ouvir de novo e de novo. Coisas é um disco bastante reverenciado do Moacyr, dos mais importantes da nossa música e é dele que vem a trilha de coisas do Akira como aquele noseslide que vira noseblunt.

Quando você tá assimilando as coisas da parte anterior, entra o trecho de Boa Noite, música do Tropkillaz que depois viria a ser tocada infinitamente em festas, vídeos e até comerciais de TV. O Uni.versus saiu primeiro nessa. Fábio Cristiano muito merecidamente fecha o vídeo e a trilha faz jus a relevância desta parte. Além do beat que é um marco da música eletrônica do Brasa, tem Chico Science & Nação Zumbi (ó a música nordestina aí de novo) com a atemporal Banditismo por uma Questão de Classe. A versão que tá na trilha saiu no CSNZ, uma pérola lançada pouco depois da morte de Chico, disco duplo que conta com versões remixadas e outras obras da Nação.
Os créditos do vídeo aparecem sob a música Micróbio do Universo, da banda Pão com Manteiga, outra relíquia escondida da música brasileira dos anos 70. Além da importância fundamental pro skate brasileiro, o Uni.versus também cumpre um papel massa de trazer pros vídeos de skate um bom apanhado da pluralidade (inclusive geográfica) incrível que a música desse país sofrido e colonizado tem. O diretor Renato Zokreta e os demais envolvidos foram muito felizes nas escolhas pra realizar isso.
Se você quer ter a versão física do Agacê – Uni.versus, cola no site da SUPADIST.COM e garante o seu.
E se você quiser ver outras SQUADLISTS clica aqui.
IMPORTANTE: Por questões que vão além do que sabemos, nem todas as faixas estão na playlist mas colocamos todas que estavam disponíveis no Spotify.